GOLPE?

É uma questão semântica, diriam alguns. Em geral, os que qualificam desta maneira um problema em torno de palavras fazem de conta que se trata de uma questão menor. O que importaria são os fatos, como se eles pudessem ser “vistos” sem as palavras (sem uma linguagem, vá lá).

Na atual conjuntura, pode-se dividir a população em dois grupos: os que acham que impeachment é golpe e os que acham que não é. A diferença está na definição de “golpe”.

Alguns disfarçam sua posição dizendo, um tanto simploriamente (e alguns são ministros do Supremo!) que: a) se está previsto na Constituição e b) se for aplicado seguindo as regras definidas pelo Supremo, então não é golpe.

Os que dizem que se trata de golpe não dizem que o impedimento não está previsto. Seu discurso é outro: o crime alegado não aconteceu (pelo menos, nisso, convenhamos, há um refinamento intelectual um pouco maior).

Juca Kfouri propiciou excelente comparação: não é porque o pênalti está previsto nas regras do futebol que um juiz pode decidir que qualquer evento será punido com penalidade máxima: ter que ser uma falta e ocorrer dentro da grande área.

Não esqueçamos que as intervenções militares (toc toc toc) sempre foram justificadas pela leitura enviesada de alguma passagem da Constituição (em geral, tem a ver com lei e ordem).

Serra acrescentou um ingrediente perigoso, há alguns dias: segundo ele, só não houve intervenção militar porque o exército, atualmente, não tem a força política que já teve.

E se os militares se sentirem prejudicados por esta avaliação? Melhor nem falar deles. Pode dar azar.

Uma coluna de Cony (03/04/2016) afirma que não se trata de golpe e fornece sua chave de leitura. Diz ele que “até agora não houve e parece que não haverá uma ruptura da legalidade democrática”. Mais adiante: “não houve, repito, nenhuma medida de força para derrubar o regime e mudar a estrutura de uma liberdade duramente conquistada…”.

Ou seja: Cony dá suas (e de muitos) definições de golpe: ruptura da legalidade e medida de força. Na verdade, ambas se combinam: ruptura da legalidade por meio de uma medida de força.

Os que acham que o impedimento é golpe o definem de maneira diferente: seria desrespeito à eleição, uma forma de ruptura da legalidade “sem os militares”.

O mundo, neste aspecto, ficou um pouco menos escandaloso ou teatral. Vide o que ocorreu no Paraguai.

Nosso general, hoje, é Eduardo Cunha.

Para casos assim, a tradição tem empregado uma expressão que já se consagrou: golpe branco.

O verbete “golpe branco” da Wikipédia ajuda bastante:

Golpe branco é uma expressão usada na historiografia e na ciência política para se referir a uma conspiração ou trama que tem por objetivo a mudança da liderança política (ou, em alguns casos, da ordem vigente) por meios parcial ou integralmente legais. Golpe de estado é um ato realizado por órgãos oficiais (muitas vezes pelas forças armadas), baseado em alguma forma de violência (intimidação ou ataque) e que consiste na substituição de um líder político por outro. No século XX, a ideia de que golpes de estado devem violar a ordem constitucional vigente foi incorporada ao conceito de golpe de estado. Desta forma, o golpe branco se diferenciaria do conceito de golpe de estado apenas na medida em que pode assumir aspectos legais, embora seja fundamentado em interesses ilegítimos e conspirações políticas.

É bom ficar atento.

Espero que não haja golpe, nem mesmo branco.

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